Resumo: Compreendendo que o enfrentamento às políticas de dominação em nossos cotidianos de ensino, pesquisa e extensão é urgente, convidamos para esta GT todas/os/es com interesse em discutir e compartilhar práticas de enfrentamento aos processos de violência decorrentes dos poderes hegemônicos, fundamentalmente raça, gênero e classe social, a partir dos debates de Ciência Tecnologia e Sociedade (CTS). Partindo de autoras como bell hooks (2019), que apresenta e discute lógicas de diferentes violências que experienciamos e pensando no perigo das histórias únicas (Adichie, 2017), propomos o necessário enfrentamento aos apagamentos e silenciamentos que a academia hegemônica produz e sustenta, especialmente nos temas de raça e gênero. Nosso convite se sustenta na busca por um exercício contra-hegemônico de compartilhamento de histórias e saberes, desde a experiência de trabalho e/ou de pesquisa, entendendo que as mesmas (vida e pesquisa) não se separam (Battistelli; Rodrigues, 2021). Nesse caminho, abre-se a possibilidade da partilha de experiências realizadas no enfrentamento ao racismo e sexismo, relacionados ao debate CTS. Assim, convidamos pesquisadoras/es a apresentar seus relatos de pesquisa e trabalho que proponham o enfrentamento ao racismo, à supremacia branca e à desigualdade de gênero relacionando-as ao debate CTS. Com especial interesse em trabalhos que abordem:
– Branquitude Hegemônica e caminhos para seu enfrentamento no debate CTS
– Educação para as Relações Étnico Raciais e sua relação com tecnologias de exclusão
– Raça, tecnologia e ciência
– Interseccionalidades e tecnologias
– Gênero e tecnologia
– Perspectivas decoloniais e tecnologia
Coordenadoras: Andrea Maila Voss Kominek (Universidade Tecnológica Federal do Paraná), Andressa Ignacio da Silva (UNINTER)
18/09/2025 – Sessão 01
- Horário: 14:00 – 16:00
- Local: Mirante do Rio – sala 307 (3o andar)
Tecnologias digitais e racialidade: notas de pesquisa – Paulo Victor Purificação Melo (ISCTE)
Da exploração de minas de coltan no Congo, que é acompanhada de violações de direitos de populações locais, à extração de tântalo na Amazônia brasileira, que tem resultado na poluição de rios e doenças em comunidades indígenas, a sustentação do chamado “mundo digital” tem como uma das premissas a exploração de corpos e territórios racializados, evidenciando a relevância de estudos sobre o colonialismo digital. Ao mesmo tempo em que são alvos da exploração para a produção de tecnologias digitais, essas comunidades – e, sobretudo, pessoas com capacidade de liderança – são, cada vez mais, registradas, observadas, analisadas e classificadas via dispositivos tecnológicos por governos e empresas que precisam abafar os processos de resistência a este cenário. De igual modo, tecnologias anunciadas como parte do chamado “mundo moderno”, a exemplo do reconhecimento facial, têm servido à criminalização de pessoas negras, qualificadas de imediato como “perfis suspeitos”. Aprofundar a discussão sobre esta temática, por meio da partilha de análises e reflexões de pesquisa sobre as articulações entre tecnologias digitais e relações raciais, é o objetivo principal deste trabalho. Propõe-se aqui também dar relevo à centralidade das tecnologias digitais nas mediações culturais, nas dinâmicas socioculturais e nas disputas políticas e econômicas ser possível não apenas a partir da captura e venda massiva de dados digitais, mas também de lógicas e práticas de exploração de corpos e territórios físicos racializados, como uma espécie de atualização do colonialismo europeu dos séculos XV a XX.
Currículos Silenciados: Tecnologias de Exclusão e a Ausência de Raça e Gênero na Educação Profissional – Iolete Martins Maia (IFPR)
Este trabalho apresenta uma análise sobre como os currículos dos cursos técnicos integrados ao ensino médio do IFPR – Campus Curitiba tratam, ou negligenciam, a integração das questões de raça e gênero, evidenciando como tecnologias de exclusão operam no cotidiano escolar. A pesquisa, de abordagem qualitativa, utiliza como metodologia a análise documental dos Projetos Pedagógicos de Curso (PPCs) e dos Planos de Desenvolvimento Institucional (PDIs), bem como a realização de entrevistas semiestruturadas com docentes das áreas técnicas e da formação geral. Os dados revelam que, apesar da existência de marcos legais que orientam a inclusão das temáticas étnico-raciais e de gênero na educação básica e profissional, há uma fragilidade na efetivação dessas diretrizes nos documentos institucionais e nas práticas pedagógicas. Identificam-se silenciamentos, abordagens superficiais e a ausência de transversalidade curricular, o que evidencia o funcionamento de tecnologias de exclusão simbólica que naturalizam a supremacia branca e o androcentrismo. As entrevistas também indicam lacunas na formação docente inicial e continuada quanto à abordagem crítica das desigualdades. As considerações finais apontam para a urgência de políticas institucionais que enfrentem essas omissões, bem como para a necessidade de fortalecer o debate CTS a partir de uma perspectiva interseccional, que reconheça o papel das tecnologias na reprodução ou superação das desigualdades.
Design, extensão e interseccionalidade: desafios e potencialidades – Helen Vanessa Melezinski (UTFPR), Marília Abrahão Amaral (UTFPR)
O presente trabalho, parte de uma tese de doutorado em desenvolvimento que investiga os desafios e as potencialidades da extensão universitária nos cursos de design, com especial atenção à sua curricularização obrigatória, conforme estabelecido pela Resolução CNE/CES nº 7/2018. Por meio de uma revisão sistemática de literatura referente à extensão universitária no campo do design no Brasil, busca-se compreender a maneira pela qual os projetos têm abordado – ou negligenciado – marcadores sociais como raça, gênero, classe e interseccionalidade. A pesquisa tem o objetivo de tensionar a relação entre universidade e sociedade a partir da perspectiva da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A fundamentação teórica mobiliza concepções que entendem a extensão como uma prática crítica, dialógica e transformadora. O estudo procura aproximar o campo da extensão universitária das práticas de design social, analisando a capacidade dessas ações em construir metodologias comprometidas com a justiça social e com os saberes historicamente marginalizados. Espera-se que essa abordagem contribua para a formação de designers mais engajados com as desigualdades estruturais e os territórios de atuação.
Estratégias Sociotécnicas de Cuidado: Feminismos Interseccionais e Resistências Anticoloniais nas Economias de Plataforma – Beatrys Fernandes Rodrigues (Pesquisadora)
Pesquisas empíricas apontam que a visibilidade nas plataformas digitais é uma “faca de dois gumes”: importante para construir reputação e se conectar com comunidades, mas também expõe essas pessoas à vigilância e violência. Ativistas e pessoas compartilhando conteúdo uma visão de mundo feminista frequentemente enfrentam assédios em rede, potencializados por sistemas algorítmicos e comunidades organizadas online. Minha dissertação utiliza uma abordagem multi-método de pesquisa qualitativa – com entrevistas, trabalho etnográfico e oficinas co-participativas – para investigar junto com jornalistas, ativistas, políticos e pesquisadores que fazem partes de grupos minorizados e que compartilham conteúdo em redes sociais, como resistir ao assédio mediado por tecnologias digitais.. Para continuar atuando apesar da falta de proteção institucional, os participantes desenvolvem estratégias de resiliência baseadas no cuidado.
Minha análise preliminar destaca o “cuidado” como forma central de resistência, dividida em quatro níveis:
– Cuidado com plataformas: uso estratégico das ferramentas digitais;
– Cuidado comunitário: apoio de redes sociais;
– Cuidado institucional: uso das estruturas existentes;
– Cuidado individual: definição de limites e gestão do próprio trabalho.
Essas práticas formam uma infraestrutura sociotécnica de resistência à violência digital e sustentação do ativismo feminista online.
Cruzando Fronteiras: Desigualdades de Gênero na Circulação Internacional de Cientistas Sociais Brasileiras (1964-1985) – Clara Frota Wardi (UNB), Matheus Almeida Pereira Ribeiro (UNB), Polliana Esmeralda Gonçalves Machado (UNB)
Este trabalho analisa como as desigualdades de gênero moldaram a circulação internacional de cientistas sociais brasileiras durante a ditadura militar (1964–1985), com foco nas trajetórias das que realizaram pós-graduação no exterior. A pesquisa combina análise quantitativa — com base em dados de 70 mulheres e 106 homens formados no período — e análise qualitativa a partir de 18 entrevistas. Examina-se o perfil dos fluxos internacionais, instituições de destino, fontes de financiamento e temas de pesquisa. As entrevistas mostram como o marcador social de gênero influenciou fortemente as oportunidades de mobilidade acadêmica feminina em um período central da formação de quadros das ciências sociais brasileiras. Em muitos casos, a formação internacional das mulheres esteve atrelada à mobilidade previamente assegurada aos cônjuges, o que vinculava a experiência à instituição familiar, ao passo que, para os homens, o percurso profissional se enunciava enquanto uma realização individual. A divisão sexual do trabalho acadêmico também aparece na distribuição das responsabilidades domésticas. O estudo revela ainda que o acesso a bolsas de estudo foi atravessado por desigualdades de gênero, tanto nas regras de agências nacionais quanto em instituições de fomento religiosas. A análise fundamenta-se em referências do feminismo decolonial, evidenciando como a colonialidade, patriarcado e localização geopolítica afetam a experiência de formação, produção de conhecimento e a circulação acadêmica, contribuindo para uma compreensão crítica da formação do campo científico brasileiro.
Subalternidade e invisibilidade na computação no Brasil – Priscila Salomão de Jesus (UTFPR), Marília Abrahão Amaral (UTFPR)
Por ser uma área majoritariamente masculina, a Ciência da Computação padece pela falta de pluralidade. Isto acarreta um viés no processo de desenvolvimento de tecnologias digitais, já que o pensamento hegemônico da cultura da computação fica restrito ao projeto, implementação e distribuição de processos e artefatos tecnológicos que atendam às demandas de classes econômicas abastadas, predominantemente brancas e masculinas. Esta pesquisa objetiva mapear, por meio de categorias oriundas dos estudos do feminismo interseccional, o estado da arte das pesquisas sobre raça-etnia, classe, gênero nos cursos de graduação da área da computação no Brasil. Tal mapeamento torna possível a visualização da distribuição de pesquisas que considerem perspectiva interseccional diante da tensão, invisibilização e subalternização que ocorre no contexto da computação brasileira, uma vez que o campo da computação no Brasil confabula com a hegemonia histórica, a qual se caracteriza pela representação do perfil patriarcal, eurocêntrico e androcêntrico. O percurso metodológico foi alinhado a uma revisão sistemática de literatura, conforme o protocolo de Barbara Kitchenham, com as seguintes fases: Definição de Questão de Pesquisa; Palavras-chaves utilizadas; Bases pesquisadas; Critérios de Inclusão; Critérios de Exclusão. A revisão focou na investigação e mapeamento da interseccionalidade (questões de gênero, raça e etnia entre outros) como conceito teórico e como ocorrem na computação.
Narrativas Negras: rap nacional como tecnologia contra-hegemônica – Luciana Silva Kuzer Lehmkuhl (UTFPR), Andrea Maila Voss Kominek (Universidade Tecnológica Federal do Paraná)
A oralidade é um instrumento cultural tecnológico utilizado pelo rap para denunciar e resistir ao racismo epistêmico e a branquitude hegemônica. Partindo de novas narrativas epistêmicas e sociais, desconstruindo ideias naturalizadas, tidas como neutras e que determinam as relações sociais de poder. Suas letras, com potencial emancipatório, contribuem para a conscientização política e mobilização popular. A música, como ferramenta de construção de narrativas, também possui um papel fundamental na transmissão de novas imagéticas, colaborando para a observação dos aspectos sociais, identitários, territoriais e históricos, trazendo a possibilidade de refletir sobre a realidade. Tem como objetivo a transformação social e o pensamento crítico, construindo uma nova linguagem capaz de questionar os padrões hegemônicos da sociedade. Enquanto tecnologia contra hegemônica, manifesta práticas contra coloniais, subvertendo a lógica “universal” eurocêntrica de produção do conhecimento. Visa preservar memórias e identidades negras, criando mecanismos de subjetividade da juventude negra periférica brasileira. Por meio da valorização de sua cultura, tensiona as opressões impostas aos corpos negros desde o período colonial. Por meio de uma contextualização histórica dos processos sociais e das relações de poder, focamos nas reivindicações de novas epistemes bibliográficas, promovidas em sua maioria por intelectuais negras. Para elucidar essas discussões, a escrita da pesquisa é norteada por uma visão intelectual periférica, que constrói, por meio da linguagem cantada, novas narrativas.
Preta é palavra: Narrativas de insurgência no Sertão Nordestino – Maria Solineide Oliveira Alencar (PMC), Leonelo Dell Anhol Almeida (UTFPR)
Este ensaio analisa de maneira crítica a trajetória de resistência de mulheres negras que se destacaram no sertão nordestino, com ênfase em três figuras emblemáticas: Tia Simoa, liderança abolicionista no Ceará; Maria de Araújo, mulher negra mística vinculada ao movimento popular religioso do Padre Cícero; e Jarid Arraes, escritora e cordelista contemporânea que resgata memórias silenciadas da diáspora africana no Brasil. A pesquisa, de abordagem qualitativa, fundamenta-se em análise documental e revisão bibliográfica crítica, articulando os princípios da teoria decolonial, da interseccionalidade e da justiça cognitiva. O estudo busca evidenciar como essas mulheres, em distintas temporalidades e esferas de atuação — política popular, espiritualidade e literatura — constroem epistemologias insurgentes a partir das margens do sertão nordestino. Ao desafiar o racismo estrutural, o sexismo e o epistemicídio, suas práticas produzem narrativas contra-hegemônicas que rompem com o silenciamento histórico. Assim, o ensaio contribui para o reconhecimento das vozes negras femininas nos campos da história, da educação e da produção de saberes, destacando a potência das margens como território político e epistêmico de reexistência.
Palavras-chave: Mulheres Negras; Sertão nordestino; Decolonialidade; Resistência; Epistemologias femininas.